Escolas do campo: um solo fértil para a inclusão

Há muito tempo, um sábio rei escreveu: “Para tudo há um tempo determinado: tempo para falar e tempo para calar; tempo para chorar e tempo para rir; tempo para plantar e tempo para colher; tempo para ensinar e tempo para aprender…”

A sabedoria acima referida parece, em larga extensão, não se refletir na área educacional da atualidade, pois, mesmo sabendo que cada aluno tem seu tempo para aprender, educadores exigem acentuada padronização, estabelecendo ‘início, meio e fim’ para que todos aprendam os conteúdos de uma maneira muito igual. Essa postura é equivocada, pois, em se tratando de educação inclusiva, um dos fatores que mais merece atenção dos mestres é justamente este: respeitar o tempo e o modo de cada aluno aprender, sem que para isso seja necessário adotar mecanismos como a retenção na etapa do ensino dos alunos com deficiências.

O argumento de que a retenção de alunos com deficiência é necessária porque eles precisam de um ‘tempo maior para aprender’ é falacioso, porque, se inalteradas as condições em que o ensino está sendo oferecido a ele- por exemplo, se no ano letivo seguinte persistirem as turmas numerosas, a ausência de qualificação profissional, e a falta de adequação dos espaços físicos, etc., de pouco ou nada adianta reter o aluno: teremos somente mais do mesmo.

Uma realidade diferente se observa nas escolas do campo. Localizadas no meio rural, contam com uma estrutura física, curricular e de recursos humanos que favorece incluir alunos com deficiência, pois as condições em que as situações de aprendizagem acontecem torna possível atender as necessidades educacionais de cada aluno, respeitando a singularidade humana. Para a melhor compreensão do contexto favorável à inclusão nas escolas do campo, faz-se necessário apresentar algumas características dessa modalidade de ensino.

A primeira característica a ser mencionada é o número reduzido de alunos por turma. Esse fator beneficia alunos e professores, pois há a interação destes sujeitos em todos os momentos e situações de aprendizagem. Além disso, o professor consegue dedicar mais atenção a cada aluno, conhecendo-os e compreendendo-os para melhor ensiná-los. A recuperação dos alunos com menor rendimento é realizada na forma da lei, ou seja, paralela ao período letivo. Ou seja, tão logo as dificuldades de aprendizagem são observadas, o professor presta atendimento individualizado aos alunos, bem como os agrupa por ordem de dificuldades, e essa intervenção pedagógica garante o desenvolvimento acadêmico desejável, tornando a retenção uma impossibilidade. Essa prática de agrupamento é eficiente porque em momentos esporádicos e diferenciados, os alunos que, por exemplo, têm dificuldades em produzir textos com autonomia, são ajudados pelo professor e também por colegas, com sugestões de escrita que contemplam exemplos práticos com figuras e questionamentos orais, que os levam a concluir sobre o que é mais correto e apropriado escrever. Dessa mesma maneira, outros conteúdos podem ser melhor ensinados, pois as limitações de aprendizagem são superadas e o mérito por essa conquista é do próprio aluno, que percebe sua inteligência e capacidade para realizar tal atividade por conta própria. A prática dos agrupamentos só é ideal quando não tem caráter permanente, quando modifica os grupos a fim de que os integrantes não sejam sempre os mesmos, quando não busca a padronização, e tem objetivos claros a serem atingidos. Desta forma, os agrupamentos são compreendidos como ensino cooperativo em sala de aula, e não como uma medida que visa a auxiliar alunos “mais fracos”.

A segunda característica das escolas do campo que favorece a inclusão é a proposta curricular por Ciclos de Formação Humana: os alunos são agrupados de forma que do 1º ao 9º ano existem três Ciclos, cada um de três anos. Com isso se mantém no mesmo espaço escolar alunos de diferentes idades, propiciando um intercâmbio de experiências pessoais, bem como de cooperação entre alunos no processo de construção do conhecimento. Assim, cada aluno, com base no conhecimento prévio que possui sobre o conteúdo ou tema em questão colabora para o enriquecimento das aulas, ao mesmo tempo em que é ajudado pelos seus colegas. Ao fim, cada um produz com base na sua própria capacidade física e intelectual. Nenhuma forma de manifestar aprendizagem é comparada com a outra, nem tampouco considerada inadequada ou insuficiente pois, se acredita que nas produções estão contempladas as singularidades de cada aluno, suas possibilidades e limitações, inerentes ao seu ser.

A terceira característica diz respeito à metodologia utilizada nas escolas do campo cicladas, a qual privilegia o planejamento e execução de projetos, que na sua grande maioria contam com atividades práticas que são desenvolvidas no entorno da escola. E, sem dúvida nenhuma que o contato com muitas plantas diferentes, a ausência de poluição, o canto dos pássaros, o silêncio peculiar da área rural, garantem aos alunos das escolas rurais um ambiente propício ao desenvolvimento de suas habilidades. É tudo muito diferente de uma escola urbana convencional, onde os ambientes (biblioteca, sala de aula, laboratórios, etc.), embora diferentes, não fornecem contato frequente e interação dos alunos com os elementos da natureza. Na escola do campo, portanto, resta facilitado o trabalho do professor em identificar e valorizar áreas em que o aluno tem potencial, bem como em realizar quaisquer intervenções com a finalidade de que os alunos, especialmente aqueles com deficiência, tenham sucesso na escola.

A efetivação da inclusão, quer nas escolas do campo quer nas escolas urbanas passa, necessariamente, por três ideias: a) primeiro, que a realidade da escola seja exposta no início de cada ano letivo, analisada e discutida pelo coletivo na tentativa de traçar planos para que o atendimento de todos os alunos resulte no sucesso escolar; b) segundo, é necessário o compromisso sincero e a prontidão de todos os envolvidos, garimpando em seus aportes teóricos e metodológicos, bem como na sua formação e caráter pessoal, com que elementos poderão contribuir nesta tarefa e em qual proporção farão isso.  c) terceiro, é necessário o providenciamento de recursos, materiais, espaços e tecnologias que garantam o êxito acadêmico de todos os alunos. Cada educador, cada escola, cada rede de ensino, terá sucesso no trabalho realizado na medida da proporção em que aplicar as ideias acima.

Se as escolas do campo não contam com acessibilidade plena às pessoas com deficiência, não significa que não está apta a receber todos os alunos. Significa, sim, que deve continuar incansavelmente discutindo sobre esta necessidade de adequação dos espaços em reuniões com toda comunidade escolar, fomentando e favorecendo o desenvolvimento de um espírito coletivo que seja sensível às necessidades dos alunos e capaz de protagonizar qualquer melhoria no espaço escolar, entendendo que a educação é de responsabilidade compartilhada.

Ainda, a falta de acessibilidade plena oportuniza a todos da comunidade escolar se preocuparem com o bem-estar dos alunos com deficiência, e auxiliá-los a se locomoverem pelos espaços da escola, e também na interação em atividades. Essa atitude humanizada acompanhada de ações práticas, é o que José Pacheco chama de ensino cooperativo, o qual é manifestado pelas boas qualidades do ser humano, como por exemplo o altruísmo e a humildade, tão raros em nossos dias.

Para ensinar alunos com e sem deficiência na escola do campo, é necessário que o educador se desnude do preconceito limitador da aprendizagem. Os que têm esse preconceito desacreditam na capacidade que cada aluno tem de aprender; depreciam a escola do campo por ser ela no meio rural e ter poucos alunos matriculados; subestimam a inteligência dos alunos com deficiência, por julgarem-lhes pela aparência e condição física. Escapa, portanto, dos que tem esse preconceito um lembrete importante de Antoine de Saint-Exupéry: “Uma civilização é baseada no que é exigido dos homens e não no que é dado a eles”.

Assim, que possamos encarar qualquer exigência relacionada com a inclusão como uma oportunidade de crescermos enquanto civilização, na mente e no coração, olhando cada aluno nosso na sua singularidade e no seu potencial de desenvolvimento; seja ele rico ou pobre, gordo ou magro, negro ou branco, com ou sem deficiência, morador do campo ou da cidade. Assim devemos agir pois, conforme escreveu Arnold Toynbee: “Civilização é movimento, não é condição; é uma viagem e não um porto”. Portanto, que nunca aportemos na vontade e na capacidade de incluir todos os nossos alunos e ensiná-los. A escola do campo é um espaço valioso para isso, pois acolhe e investe em todos os seus alunos, acreditando que todos podem aprender.


Adriangela Bonetti é professora na rede municipal de ensino de Guaporé (RS), graduada em Pedagogia e especialista em Administração, Supervisão e Orientação Educacional.

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