Efeitos da educação infantil inclusiva

Um estudo realizado com crianças e adolescentes com idade entre 8 e 16 anos, que frequentaram uma creche ou pré-escola inclusiva e pública na primeira infância¹, mostrou que todos os entrevistados têm uma atitude de aceitação das diferenças e que a abertura à experiência com o outro e com o diferente se manteve após a saída da educação infantil. Além disso, essa aceitação se dá independentemente dos valores e atitudes presentes no ambiente familiar dos entrevistados, o que deixa evidente o importante papel da educação escolar.

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Para tornar-se um ambiente inclusivo, a escola precisa construir uma memória em que todos os seus atores tenham voz e participação, fortalecendo, dessa forma, o sentimento de pertencimento. Essa memória pode ser organizada a partir da documentação de processos pedagógicos dos grupos de crianças, fotos, vídeos, depoimentos etc. É importante que esses registros fiquem acessíveis a todos, a qualquer tempo. A biblioteca escolar é um local indicado para tal finalidade. Por meio desses registros, as crianças que frequentam a instituição, seus familiares e também os egressos, poderão avivar suas lembranças e conhecer elementos das vivências de outros grupos. Para os profissionais da escola, esses registros garantem um lugar na história da instituição. Ao cuidar desses registros a escola evidencia o vínculo com seus atores.

Transição para o ensino fundamental

O sentimento de pertencimento deve perdurar após a saída da educação infantil e contribui para que as experiências e conhecimentos nela aprendidos permaneçam presentes nas lembranças e atitudes dos egressos. Situações de ruptura apagam as lembranças do vivido. Por isso, é importante prestar atenção aos cuidados relacionados ao desligamento da educação infantil e ao ingresso no ensino fundamental. Ao se desligarem, as crianças devem saber que continuarão pertencendo de muitas maneiras à escola.

O pertencimento tem como decorrência que a possibilidade de retorno à instituição permaneça aberta a todos, e as crianças precisam saber disso antes da saída. Na creche/pré-escola pesquisada há um combinado de retorno dos egressos um ano depois da saída, oportunidade em que eles se reencontram, contam sobre as suas experiências no ensino fundamental, matam a saudades e podem lembrar e ressignificar suas vivências em comum. As crianças esperam por esse retorno e, segundo os pais, mal conseguem dormir na noite anterior.

Um ambiente de educação infantil em que haja o cuidado, enquanto reconhecimento das necessidades de cada um, e que fortaleça o sentimento de pertencimento na infância, contribui para a aceitação de si mesmo, diminuindo a necessidade de adesão aos preconceitos, que impedem a relação com o outro. Num ambiente competitivo, as dificuldades se tornam fragilidades, gerando sentimentos de ameaça e inadequação. Tal condição cria a necessidade de adesão a preconceitos, envolvendo mecanismos psicológicos potentes, que impedem o reconhecimento de nossa humanidade comum. Pertencer, por outro lado, significa ser reconhecido e ser aceito. A escola pode fortalecer internamente um clima de aceitação nas ações do dia a dia, criando um ambiente seguro e confiável em que não haja necessidade de ocultar as dificuldades, pondo à prova alguns estereótipos e promovendo discussões sobre temas ligados às diferentes formas de discriminação presentes no ambiente social. Sentir-se aceito num grupo é condição determinante para a aceitação de si mesmo.

Notas

¹ O estudo foi apresentado no 1º Encontro Paulista da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) com o título “Educação inclusiva: formação de atitudes na educação infantil“, em junho de 2012.


Marie Claire Sekkel é doutora em psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), onde atua como docente desde 2005. Desenvolve pesquisas na área da educação inclusiva.

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